Um sorriso se apaga

09-03-2011 09:36

(Envolta em mistério, a morte do comediante Zacarias, dos Trapalhões, comove os artistas e entristece as crianças)

 

Um trapalhão, para as crianças, não morre. Ou morre e se levanta de novo, segundos depois, entre as gargalhadas e os aplausos da platéia. O trapalhão Mauro Faccio Gonçalves, o “Zacarias”, aos 57 anos, morreu de verdade no domingo passado, dia 18, vitimado por uma insuficiência respiratória aguda causada por infecção violenta nos pulmões, desfalcando para sempre o quarteto famoso que era formado por ele, “Didi”, “Dedé” e “Mussum”. “Zacarias era meu filho pequeno”, chorava Renato Aragão, o Didi, humorista que liderava Os Trapalhões, que durante toda a década passada foram campeões de audiência com o programa que a Rede Globo fechava a programação nas tardes de domingo. Zacarias fazia as piadas mais ingênuas e infantis do quarteto, o que garantia o sucesso do grupo entre a criançada maternal que começava a engatinhar e balbuciar as primeiras e inteligíveis palavras.

O trapalhão Zacarias não queria aceitar a idéia da morte, muito menos da forma como ela lhe foi anunciada. Vitimado por uma doença infecciosa dos pulmões, ele emagreceu e apresentou manchas na pele, sintomas logo atribuídos á AIDS. “Não posso dar o direito dar o direito de especularem sobre a natureza da doença que me acometeu”, disse ele, poucos dias antes de morrer. Os médicos não descartam a hipótese de ter sido mesmo a AIDS a doença que o matou. “Não se conseguiu detectar o agente etiológico da infecção, mas exames post-mortem estão feitos de 45 dias teremos o diagnóstico correto”, diz o médico Roberto Luzes, que cuidou do comediante nos últimos momentos na Clinica São Vicente, no Rio de Janeiro. Zacarias foi tratado como um paciente imunodeprimido. Os raros amigos que o visitaram na clinica só podiam entrar no quarto vestindo aventais esterilizados e mascaras.

MELANCOLIA – O pedido de Zacarias de ser sepultado em sua terra natal, Sete Lagoas, Minas Gerais, foi atendido. Seu corpo foi embalsamado e colocado numa urna lacrada. Em Sete Lagoas um caminhão do Corpo de Bombeiros conduziu a urna até o cemitério por entre a multidão de conterrâneos que a foi a rua homenageá-lo. Zacarias conseguiu manter-se calmo e bem-humorado até os últimos quatro dias de vida, quando entrou em coma profundo e nem com a ajuda de aparelhos conseguia respirar. A infecção pulmonar foi tão forte que os alvéolos respiratórios já não conseguiam fazer a troca gasosa que retira do organismo o gás carbônico tóxico e injeta oxigênio na corrente sanguínea. “Ele não sentiu dores”, conta o médico Luzes. “Não tinha infecção generalizada, mas apenas nos pulmões.” Quando morreu, estava magro e deixava crescer um fino bigode que resultou numa aparência completamente diferente daquela com que fez uma geração de brasileiros.

Assim que a doença se manifestou, Zacarias empenhou-se em fugir dos assédios dos fãs e da imprensa. Aos próprios amigos e colegas dos Trapalhões, dificultou o acesso a sua casa em Jacarepaguá. Nesse período, Renato Aragão foi a sua casa, mas não pode entrar. Zacarias recebia as visitas do médico Manuel Dutra Nunes, que mora nas vizinhanças. Divorciado, pai de uma filha e avô de duas netas, Zacarias isolou-se do mundo. Trancava-se no quarto para ouvir musica erudita e ali passava todo dia. Celeste Vasconcelos, divulgadora dos Trapalhões, tranqüilizava os amigos com a informação de que Zacarias estava apenas com estafa e quando recuperasse o sorriso voltaria a gravar o programa junto com Didi, Dedé e Mussum.

Quando jovem, já atuando em programas de rádio em Belo Horizonte, Mauro Faccio Gonçalves pensou em ser arquiteto. Nascido numa família de onze irmãos sem posses buscava uma profissão segura para sustentar-se e aos familiares. Acabou desistindo da carreira e convidado por Manuel da Nóbrega para trabalhar no Rio de Janeiro no programa humorístico de maior sucesso então na televisão brasileira. A Praça da Alegria. Conheceu os outros integrantes dos Trapalhões e ganhou de Renato Aragão o apelido de Zacarias, nome de um galo que ele possuía. “Protestei muito, mas o apelido colou na hora e de forma tão forte que não adiantava mais chiar”, costumava lembrar Zacarias. Quando tirava a peruca e saia de cena, Zacarias não lembrava nem de longe o personagem da televisão e dos filmes de humor. Era sério, muito religioso – mantinha na própria casa o Centro Espírita Casa de Oxalá – e não escondia uma leve melancolia. (Revista Veja - 28/03/1990)