Entrevistas

Garçom Trapalhão

10-03-2011 08:30

Quem conhece o arquiteto Mauro Faccio Gonçalves, um baixinho de 1m63cm, 67 quilos, careca e gozador? Está difícil? É o Zacarias, um dos quatro Trapalhões. Um dia Renato Aragão e o roteirista Emanuel Rodrigues viram Mauro na pele de um engraçado garçom, num programa humorístico da TV-Rio. E o convidaram para trabalhar. Hoje, Zacarias é o ídolo da garotada e dos marmanjos que choram de rir com as trapalhadas do grupo aos domingos na TV Globo. A pergunta que seus admiradores mais fazem é se ele usa algum produto para fazer crescer o cabelo. Zacarias responde:

- Já usei de tudo, só não tentei umas fórmulas doidas que me deram.

-Que fórmulas são essas?

-A pior é a simpatia das moscas, que é pegar 10 moscas, frita-las em azeite, coar e passar a gosma na cabeça.

Você usa peruca fora da Televisão também?

-Não.

De onde você tirou o nome de Zacarias?

-Foi idéia do Renato e do Emanuel Rodrigues. Eles me deram o nome de um galo que conheciam. Chiei um bocado, mas não adiantou espernear, o nome colou mesmo.

-Como é seu relacionamento com os fãs? Eles te incomodam muito?

-Já me acostumei. O pior é que todo mundo acha que a gente é a mesma coisa tanto no trabalho como em casa ou na rua.

- Você já fez regime para emagrecer?

-Já. Como eu me achava uma xícara, baixinho e largo, regimei e perdi quase 20 quilos. Fiquei super feliz, mas veio a minha mãe e me disse que eu estava parecendo uma perereca. Ai toquei a engordar novamente.

-Esse seu jeito de falar é de mineiro.

-Sou de Sete Lagoas, muito desconfiado e ando igual cabrito, que pisa no chão devagar. Aliás, meu signo é Capricórnio, tem tudo a ver. 

-Dos quatro Trapalhões, quem é o mais engraçado?

-O Mussum, sem duvida.

-Parece que o Mussum é meio chegado a uma pinga, confere?

-O negão gosta sim, mas sabe beber e conhece tudo de bebida. É um expert.

-E você?

-Como diz o outro, só bebo socialmente. Dois copos de cerveja e fico todo mole.

-Qual o seu maior sonho?

-Montar um grande musical humorístico com os colegas. Na verdade, já estamos com um quase parecido e que mostraremos nas capitais e grandes cidades do país a partir de julho, começando por Manaus.

-E sua maior tristeza?

-Ver um país tão rico e belo como o nosso do jeito que está: falta educação para o povo, preservação das matas e dos animais e sobra incompreensão nos governantes.

Você acha que “Os Trapalhões” fariam um bom governo?

-Sem duvida. Se não houvesse interferência de ninguém, a gente dava um jeito nessa bagunça.

 

(Jornal o Globo – Sábado 30 de maio de 1987)

Mauro Gonçalves, o Zacarias: “Só brinco em serviço”

11-02-2011 22:26

Sem os dois dentes pintados de crayon, sem a peruca que aumenta a careca agora natural e sem a fala meio afeminada – características de Zacarias, o mais ingênuo trapalhão dos Trapalhões – é difícil acreditar que Mauro Faccio Gonçalves surpreenda pela seriedade, meiguice e timidez. Ao contrario do que muita gente possa pensar, ele tem pouco a ver com seu personagem. Na vida real, não é malicioso nem afeminado. Não é engraçado nem infantil. E muito menos um trapalhão.

Pela sala austera do seu vasto apartamento no Posto Seis é possível entender um pouco deste homem. As muitas plantas espalhadas na varanda e a sobriedade da decoração revelam um morador sensível e sério. A religiosidade fica visível no destaque ao crucifixo, imponente, bem no meio do móvel principal. Tranqüilo, Mauro senta na beirada do enorme sofá de veludo verde e tenta explicar como um neto de sicilianos, mineiro de Sete Lagoas, religiosissimo, discreto, introvertido e um pouco mais tímido que o comum, se tornou um Trapalhão: “Claro que não sou engraçado naturalmente, não brinco com a vida nem com a morte. Só brinco em serviço. Um bom ator é aquele que sabe criar tipos, ser farsante, não ser ele mesmo. Faço isso. Sou o Zacarias, me escondo nele para sobreviver. Gosto do que faço. Acredito no humor e no seu resultado que ele provoca nas pessoas. Mas não posso negar que sou um pouco ele. No jeito criança, na ingenuidade, na alegria. Sou sim. Mas quem não é?”

E vai contando: lá mesmo, “na cidade do cristal e do mármore” – como ele gosta de chamar sua terra – começou a trilha que o levaria a ser uma dos humoristas de maior sucesso, no momento. Em Sete Lagoas ele fez quase tudo, ajudando o pai, Mariano Gonçalves, na loja de materiais de construção. Ao mesmo tempo, cursava o ginásio, fazia natação – 1.00 metrôs crown e muita garra. Aos 17 anos, estreiou como ator no grêmio teatral da Igreja de Santo Antônio. Na mesma época, entrou para o rádio – a Cultura de Sete Lagoas – imitando vozes e fazendo tipos.

Aos 23 anos fez vestibular para arquitetura em Belo Horizonte, sendo aprovado em 12° lugar. Mas só cursou um ano: o ator ia tirando o tempo do futuro arquiteto em novelas e programas de humor da Rádio Inconfidência, com tal de destaque, que chegou a ser capa da antiga e famosa Revista do Rádio recebendo o titulo de “galã favorito novelas”. Mas os tempos eram outros, “a profissão não era regulamentada, os salários muito baixos e eu precisava garantir o pão-de-cada-mês, ter um dinheiro regular que me desse segurança para prosseguir nas aventuras de ator.” Ai, virou bancário também, funcionário do Banco de Comercio e Indústria Minas Gerais. Da Rádio Inconfidência para a TV Itacolomi foi um nada!E, ali, começou a repercussão do humorista. Logo, um de seus bordões pegava fundo, ele crescia e ia aparecendo ao lado de Paulo Gracindo e Mario Lago, em outro programa de TV: Tribunal de Calouros. Da TV mineira, o caminho natural seria a TV carioca. E foi.

“Mas só aceitei o segundo convite. Manuel de Nóbrega me viu trabalhando e me convidou para vir para a TV rio. Tive medo. Como bom mineiro, eu tinha que temer largar o emprego no banco, abandonar uma vida muito boa, enfim, começar tudo outra vez. Juro que não tive coragem!”

E ficou. Mas ficou acreditando em destino. E o destino não o decepcionou. Pouco depois, em 1963, esqueceu as inseguranças financeiras, venceu o medo, jogou tudo para o alto e estreou na TV Excelsior do Rio, a convite de Wilton Franco. “Nessa época, o Rio era diferente de Belo Horizonte, era uma cidade muito evoluída para um mineiro, e eu era mineiríssimo, não tinha a malicia nem a malandragem que a cidade já exigia. Ai, foi uma droga! Fui muito explorado, passei fome, só tinha dinheiro para um quarto de empregada numa pensão em Copacabana. Eu viera ganhando muito menos dinheiro do que em Minas. Mas não lamento, não! Naquela pensão, meus sentimentos começaram a aflorar e eu pude aprender como é viver!”

Para sobreviver, Mauro Gonçalves precisou fazer de tudo outra vez. E fez. Até dublagem de filmes estrangeiros, sempre com a certeza de que “as barreiras existem, mas a humildade vence tudo”. Da Excelsior, ele foi para a Record de São Paulo. E dali, finalmente cumpriria seu destino: sentar no banco da praça de Manoel de Nóbrega. Depois veio a Tupi do Rio, o Café sem Concerto, onde nasceu o Zacarias, um garçom esquisito, criado por ele mesmo. No Café Renato Aragão o viu e chamou para ser um deles. Há sete anos ele encarna seu Trapalhão.

Desquitado da atriz Selma Lopes – que faz a Xicória, personagem da Turma do Lambe-Lambe – Mauro, hoje, vive sozinho. Admite o namoro com Waleska, a cantora da fossa – “uma coisa bonita com uma mulher maravilhosa” – e já é avô de duas meninas, filhas de sua única filha com Selma. Aos 48 anos ele ainda conserva a religiosidade fora do comum, uma fé inabalável, adquirida mais profundamente quando esteve desenganado pelos médicos por causa de uma osteomielite. “Uma doença sem cura, apenas com tratamento paliativo. Mas três idas ao centro, fiquei bom, uma coisa não sei explicar. Sei é que cada um precisa encontrar o deus que existe em si mesmo. E eu encontrei o meu, ali, no espiritismo, para mim muito mais uma ciência do que propriamente uma religião. Foi a umbanda de Caristas, evangelizada, “Considera a própria fé uma graça recebida e vê a morte como o começo da vida. Explica que é feliz assim: pode até passar algumas vezes, por bobo ou ingênuo demais; “Não importa! Vivo para compreender e ajudar!”

 

(Lucia Leme – Revista Manchete 1980)

 

Mauro “Zacarias foi o meu melhor personagem”

11-02-2011 22:21

 

(Mesmo não tendo mais que gravar com a peruca e a mascara nos dentes que caracteriza o estrábico Zacarias de Os Trapalhões, Mauro Gonçalves ainda não conseguiu liberta-se das caretas de seu personagem.)

 

Embora Os Trapalhões fosse o programa de maior audiência da TV Tupi, Renato Aragão e seus parceiros rescindiram seu contrato com a emissora. O programa acabou, eles vão ficar seis meses fora da TV, mas isso não vai paralisar as atividades do grupo: agora mesmo eles vão excursionar por todo Brasil, com uma série de shows, e alem disso estão fazendo filmes e preparando uma peça teatral. Quem conta é Mauro Gonçalves, que, apesar de um pouco triste com o fim do Zacarias dos Trapalhões – “foi o tipo mais importante que criei em minha carreira” – acha que “o importante é continuar a fazer o publico rir, não importa como”.

O grupo deverá continuar com o mesmo esquema de humorístico de Os Trapalhões, que alguns críticos chamavam de comédia pastelão, humor grotesco; mas que para Mauro Gonçalves é o que mais funciona. “O publico – diz ele – gosta mesmo é de coisa direta e não humorismo britânico feito pela Globo e que o brasileiro não aceita.”

Mauro Gonçalves é mineiro, de Sete Lagoas, e foi lá que, ainda criança, vestindo roupas dos pais e cobrando como entrada palitinhos de fósforo, revelou-se o comerciante que mais tarde foi para Belo Horizonte estudar arquitetura, um curso que não chegou a concluir porque, em 1959, ao participar do programa Tribunal de Calouros, junto com Paulo Gracindo, Mário Lago e Mario Tupinambá, foi considerado o melhor do rádio e resolveu ficar definitivamente no Rio, como artista, contratado pela Excelsior.

Mauro ficou na Excelsior até 1968. Dali foi para a TV Record, onde trabalhou ao lado de Manuel da Nóbrega, criou seu primeiro tipo, o Moranguinho. Depois foi para a Tupi fazer o garçom desajeitado de Café sem Concerto, e desde 1973 vinha atuando em Os Trapalhões, cujo sucesso o levou a estrear um filme, Deu a louca nas Mulheres, que em breve estará em cartaz. (Revista Amiga n° 333 - Reportagem de Ana Cristina – Fotos de João Silva)

Muita gente me procura só para pedir conselhos: Mauro “Eu me acho místico”

18-01-2011 10:09

 (Muita gente me procura só para pedir conselhos – O “habito do tipo” faz com que Mauro Gonçalves tenha hoje algumas características do personagem Zacarias que interpreta a 15 anos em Os Trapalhões. Mas sem a peruca e o truque que torna Zacarias mais dentuço, Mauro afirma que pode sair quase tranqüilo pelas ruas sem ser incomodado. “Depois de um tempo, algumas pessoas começam a notar qualquer semelhança e, quando descobrem quem sou, ficam admiradas. As reações são as mais diversas: “Não é possível, ele é tão diferente’ é o que mais ouço.”)

Descoberto o humorista, no entanto, algumas coisas mudam: Mauro é cercado por pessoas que querem saber mais sobre seu personagem, sobre Os Trapalhões (Dedé, Didi e Muçum) e ouvir piadas. Mauro diz que não se incomoda, porque já está acostumado. “Mesmo assim, fico inibido, principalmente quando pedem a risadinha do Zacarias, o que acontece com freqüência.”

Na verdade existe uma característica muito comum entre Mauro e Zacarias: a bondade que ambos transmitem. “Muitas pessoas acham que transmito paz, segurança e me procuram para que eu lhes dê conselhos, talvez por me acharem místico. Eu mesmo me acho místico.” Este misticismo envolveu também a cantora Valeska com quem Mauro teve um romance.

Embora seja um homem simples, ele não pode fugir do assédio de pessoas que acompanham Os Trapalhões desde a organização do grupo e o abordam, até mesmo na praia, para saber mais coisas sobre os quatros humoristas de maior sucesso no cinema e na televisão brasileira. Muitos querem saber, “mesmo não confundindo o ator com o personagem”, como é cada um dos Trapalhões. E Mauro Gonçalves conta: “Dedé é o galã dos quatro e é a parte principal dos Trapalhões, pois é quem segura os três: é o chamado escada. Algumas pessoas o acham sem graça, mas não é o papel dele. É o mais sério dos quatros e é muito criativo. É um ator transformistas; se quiser, faz tipos também. Muçum se faz notar onde chega, conquista as pessoas pela simplicidade e naturalidade que lhe são peculiares. É meu irmão preto. Renato Aragão (Didi) é o criador de tudo. De natureza tímida, tem o coração maior que ele. É uma pessoa que tem grande presença de espírito. As vezes fala alguma coisa e nós não resistimos e rimos muito. É um grande improvisador e, alem de ator, grande comerciante. O Renato, na vida real, é um pouco mais sério que nos Trapalhões, mas, em comparação comigo, é mais extrovertido.” (Revista Amiga – Reportagem de André Luiz – Fotos de Marcio Gracie Imperial)